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Populismo de direita radical na Alemanha: AfD, Pegida e o movimento identitário.

09/07/2023

Daniel Oppermann

Resenha de: Havertz, Ralf. Radical right populism in Germany: AfD, Pegida, and the identitarian movement. New York: Routledge, 2021, 202p. ISBN: 978-0-367-37146-3

Publicado em: Mural Internacional. Vol.14, e71252, 2023

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Desde o início da divisão da Alemanha em dois estados no final dos anos 1940, o radicalismo de direita sobreviveu e se desenvolveu, apesar do colapso do Terceiro Reich. Enquanto na RDA comunista vários tipos de oposição política foram observados e muitas vezes suprimidos pelo Estado, a RFA capitalista forneceu uma estrutura mais ampla na qual antigas e novas direitas radicais poderiam se desenvolver. Nas primeiras décadas, um desenvolvimento paralelo de antigos e novos radicais de direita e neonazistas surgiu na RFA, que ou queriam se ligar ao antigo regime da ditadura ou se esforçavam por novos caminhos e novas formas de organização. Na República Ocidental, a direita radical se encontrou continuamente em várias formas de partidos ou movimentos, que também penetraram nas culturas juvenis, especialmente a partir dos anos 1980. 

Em seu livro Radical Right Populism in Germany: AfD, Pegida, and the Identitarian Movement, o autor Ralf Havertz analisa uma parte desses movimentos, que atraíram a atenção nos últimos anos principalmente através de comportamentos populistas. As organizações Alternative für Deutschland (Alternativa para a Alemanha, AfD), Pegida e Identitäre Bewegung (Movimento Identitário) utilizam diferentes formas de organização e agitação para buscar apoiadores no parlamento e nas ruas. Dividido em 12 capítulos, a obra aborda tanto aspectos teóricos e ideológicos como históricos e contemporâneos da nova direita na Alemanha e os coloca no contexto europeu. O AfD ocupa um lugar destacado neste trabalho. O partido foi fundado originalmente como um movimento de oposição à política de integração européia e, ao longo dos anos, evoluiu para um partido principalmente xenófobo e anti-islâmico que alcançou vários sucessos eleitorais.

Na parte teórica do livro, o autor apresenta o conceito de populismo como uma ideologia política. Ele usa a abordagem de Walter Gallie, muito difundida nos debates conceituais na questão dos conceitos essencialmente contestados. Além disso, ele segue as idéias de Mudde, Kaltwasser e Canovan, entre outros, que lidam com vários aspectos centrais do populismo e da ideologia (pp. 9-10).

A fim de poder classificar historicamente os atores centrais do livro, o autor cria no terceiro capítulo um relato de várias organizações e partidos populistas de direita na Alemanha, embora se limite à RFA. Também é importante notar que são organizações que podem ser atribuídas ao populismo radical de direita. Isto significa que as organizações de extrema direita ou neonazistas não serão consideradas neste livro. Portanto, a distinção também é importante porque a situação legal na Alemanha criminaliza certas abordagens extremistas, enquanto a ação populista não tem relevância sob o direito penal (p. 22).

Entre os atores brevemente apresentados estão o partido Republikaner, que esteve ativo principalmente nos anos 1980 e 1990, o Bund freier Bürger (fundado em 1994), o partido Die Freiheit (fundado em 2010), os numerosos partidos regionais PRO e o partido Schill, que apareceu regionalmente também. Muitas destas organizações têm em comum que se opõem (ou opunham) explicitamente ao Islã e à imigração muçulmana na Alemanha. Assim, eles pertencem a um grupo de organizações comparáveis em outros países europeus que se dedicam à mesma forma de xenofobia. Além disso, algumas destas organizações se opõem à integração europeia, e são associadas a um liberalismo econômico nacionalista.

Segundo o autor, estes grupos, que podem ser classificados como predecessores ou precursores políticos do AfD, não criaram sozinhos o clima que pode explicar o sucesso recente dos populistas de direita na Alemanha. Outro ponto importante que o autor menciona aqui é o debate sobre as teses de Thilo Sarrazin, que em 2010 em um best-seller culpou a imigração muçulmana como razão para um futuro declínio da Alemanha (p. 35). Três anos depois, o AfD foi fundado, inicialmente como um partido de críticos da UE que atraiu a atenção seguindo teorias econômicas nacionais-liberais, mas como um partido de acadêmicos conservadores nacionais, mal podia se aproximar do eleitor médio. As lutas pelo poder dentro do partido garantiram que populistas radicais como Björn Höcke ganhassem mais influência, como resultado do qual o populismo de direita radical foi também cada vez mais utilizado como um meio do partido, recompensado com o sucesso eleitoral. Um detalhe importante aqui foi a negligência de críticas da UE e uma ênfase em posições anti-islâmicas, que atraíram a atenção especialmente no contexto da imigração. Na época, houve um intenso movimento de fuga para a Europa, entre outras coisas devido à guerra civil na Síria.

As abordagens políticas e posições substantivas do AfD posteriormente discutidas vão desde o populismo de direita como contra-movimento ao multiculturalismo (p. 52), o nacionalismo étnico (p. 68), o curso antieuropeu do partido, que ainda está presente, mas foi empurrado para segundo plano (p. 81), e o muito mais presente posicionamento anti-islâmico (p. 90). Neste oitavo capítulo, o autor também analisa mais de perto as duas outras organizações anunciadas no título do livro, Pegida e o Movimento Identitário. Enquanto Pegida como plataforma de mobilização tem um caráter bastante regional com imitadores isolados, o Movimento Identitário é uma forma de organização que tem surgido em vários países europeus. Se trata de uma plataforma de mobilização anti-islâmica que prevê uma suposta luta histórica da Europa contra uma invasão islâmica com referência ao patriotismo europeu. Ao contrário de AfD e Pegida, o Movimento Identitário é dirigido principalmente a adolescentes e jovens adultos, que usam formas espetaculares de agitação para atrair a atenção do público e usam as mídias sociais para enviar seu ativismo para os dispositivos da geração mais jovem (p. 101). 

O populismo de direita ganhou influência em vários países ao longo dos últimos 20 anos. O foco das recentes pesquisas relacionadas está principalmente na Europa e nas Américas (porém existe também em outras regiões do mundo). Com seu livro, o autor deu uma importante contribuição para os leitores de língua inglesa. Embora já existam vários títulos em alemão sobre o fenômeno do populismo de direita no século XXI na Alemanha, apenas muito poucos títulos em inglês abordaram o tema até agora (por exemplo, Rosellini’s The German New Right de 2019). Embora o livro resenhado aqui quase não ofereça novos conhecimentos sobre o fenômeno teórico do populismo, ele deve ser visto como um estudo de caso sobre o AfD. Entretanto, as organizações Pegida e Movimento Identitário mencionadas no título aparecem apenas parcialmente. Portanto, o título do livro é um pouco enganoso. O foco da obra é claramente o AfD.

Isso é compreensível em parte, especialmente porque o AfD alcançou uma audiência muito maior na sociedade alemã nos últimos anos do que Pegida e o Movimento Identitário. Por outro lado, o Movimento Identitário, assim como posteriormente o AfD, também entrou cada vez mais no foco das medidas de vigilância estatal devido a posições extremistas. Esta questão poderia ter sido analisada de forma ainda mais clara. Talvez pudesse ter sido feita uma comparação mais precisa dos desenvolvimentos nos órgãos de vigilância estatais em relação às duas organizações. Com relação a Pegida, uma apresentação mais detalhada da radicalização da direita populista na Alemanha Oriental e a radicalização paralela do AfD na mesma região poderia ter sido destacada ainda melhor.